Livro do dia: A caligrafia de Dona Sofia

Livro do dia: A caligrafia de Dona Sofia

Posted by Kátia

Quando sinto-me frágil, sensibilizada perante tristezas pessoais e coletivas, costumo ler poesia. Isso acalenta meu coração. Estar com um livro, abracá-lo, sentir sua força, faz com que eu me acalme, respire fundo e siga em frente. Há muita vida ao meu redor, e naqueles instantes de leitura, sei que posso tocá-la de verdade. E melhor do que um único livro de poemas, é aquele que reúne os meus mais queridos autores e, ainda por cima, conta a história de uma cativante senhora que dedica sua vida aos livros. Na realidade, ela oferece beleza ao próximo, é o que move sua existência.

Eu conheci o trabalho de André Neves em Porto Alegre - ele é um pernambucano meio gaúcho, leia mais sobre seus livros aqui,  aqui e aqui - e virei fã de carteirinha. São tantos livros instigantes, expressando bons sentimentos através de palavras ou apenas de imagens, que fica difícil escolher apenas um. Mas hoje é o dia perfeito para falar sobre Dona Sofia. Uma preciosidade que já começa com uma declaração de amor do grande Elias José, que também deseja espalhar o exemplo da doce velhinha por todos os cantos do nosso país ("Como seria bom se fôssemos em maior número").

Mas afinal, quem é Dona Sofia? Ela é uma professora aposentada, que cultiva flores em seu jardim para engordar o orçamento mensal. Mas o que ela ama mesmo são os livros, especialmente os de poesia. Sua casa, no alto da colina, parece um castelo encantado, com poemas escritos em belíssima caligrafia em cada parede da sala, do quarto, da cozinha, do banheiro, enfim, qualquer cantinho, por menor que seja, no qual ela possa imprimir um pedaço de sua alma. Os anos se passam e num belo dia Dona Sofia percebe que não há mais espaço dentro da casa para escrever poesias. O que fazer? As poesias são especiais demais para ficar apenas dentro dos livros, então ela tem uma ideia brilhante: escrever cartões poéticos para cada morador da pequena cidade, ornados com sua bela letra e decorados com flores prensadas de seu jardim. Uma fofa!!!

Seu Ananias é o único carteiro da cidade, um homem que ama a natureza e  sempre auxilia Dona Sofia no cultivo e transporte das flores. Ele, que não conhecia poesia e tinha uma letra horrível, fica maravilhado sempre que adentra no reino mágico da querida Sofia. E qual não foi sua surpresa ao descobrir um cartão da amiga endereçado a ele! Seu Ananias recebe de presente o poema Meus Oito Anos, de Casimiro de Abreu, dá pulos de alegria e a partir de então passa a interessar-se pelo tema. Dona Sofia conta-lhe histórias sobre seus poetas favoritos e o amor de Seu Ananias por poesia aumenta a cada dia. Ela dá-lhe um caderno de caligrafia, incentiva-o, direciona-o em novas leituras. Na cidade, Ananias ouve as pessoas suspirando, declamando poesias, lendo livros e mais livros e tem a certeza de que a doçura de Dona Sofia enfim os contagiou.

"Há que se afirmar o corpo até o último sempre. Exercer-se como instrumento capaz de receber a poesia do mundo".

Bartolomeu Campos de Queirós

O livro traz realmente essa e infinitas outras poesias em bela caligrafia, espalhadas pelas páginas, no topo da colina, nas ruas e nas paredes da casa de Dona Sofia. São poesias do Brasil e do mundo, poesias para mim e para você. Olha, antes de conhecer a história de Dona Sofia, eu bem que havia tentado entregar poesias e livros para desconhecidos na rua, mas não funcionou direito, as pessoas são muito desconfiadas, sempre enxergam uma segunda intenção em tudo. Mas ela, ainda que seja uma personagem fictícia (será?), deu-me a coragem de continuar, de persistir, de espalhar um poquinho de alegria pelo caminho. André Neves, você é um cara maravilhoso e eu acredito que Dona Sofia está viva em cada um de nós que ama e divide sua história. Compartilhemos esse amor, façamos a vida valer a pena...

A caligrafia de Dona Sofia
Autor/ilustrador: André Neves
Editora: Paulinas
Temas: Amor; Livros; Poesia
Faixa etária: À partir de 07 anos

Conheça também: Em O Coração do Pincel (Ed. Bertrand Brasil), o calígrafo – e gênio – japonês Kazuaki Tanahashi, com toda a sua dedicação e paciência orientais, faz reflexões sobre o seu ofício, uma arte muito antiga que envolve corpo, mente, coração, respiração e energia. Indicado para jovens de todas as idades.

“Na tradição da caligrafia oriental, não se deve retocar ou corrigir nenhum traço feito com o pincel. Cada pincelada deve ser definitiva, não há retorno. É exatamente como a vida.”

Ilustração da série O mestre e a linha, por Riccardo Guasco
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