Conheci há pouco a lenda gaúcha da Maria Peçonha, ambientada na região desértica de Alegrete (terra de Mário Quintana). Na realidade, criou-se essa história como uma forma de explicar o porquê dos mais de 100km² de deserto numa terra que é conhecida por suas belas e verdejantes paisagens. Eu, curiosa de nascença, fiquei intrigadíssima com a descoberta e me entreguei à leitura deste conto ao mesmo tempo interessante e melancólico. 

Maria apareceu na cidadela - que ainda não era um município, mas um ponto estratégico onde os homens defendiam a ferro e fogo as fronteiras do Brasil - misteriosamente, montada num alazão, pequenina, assustada, com apenas quatro anos. Os moradores pensaram em acolhê-la, mas de repente o céu ficou nublado e uma tempestade desabou. Supersticiosos, deixaram a pequena numa casa abandonada, sobrevivendo graças à caridade de uns poucos seres generosos que ainda viviam por lá. Mas, para contrariar a premonição dos maldosos, Maria cresce delicada e gentil. 

Mais extraordinário ainda era seu dom: por onde passava as flores desabrochavam. Espécies que só nasciam em determinados lugares do mundo, começavam a formar um jardim magnífico onde antes havia apenas o medo e a desolação da guerra. Lírios, cravos, tulipas, jasmins, os aromas se misturavam e davam ânimo aos habitantes de Alegrete. Mas essas mesmas pessoas acabaram escravizando Maria, obrigando-a a expandir o jardim infinitamente. Ela sente-se invadida, envergonhada, exposta. Recusa-se a continuar com aquilo. E então começa o seu martírio. 

Todos passam a ignorá-la e ela começa a fazer bonecas de pano para sobreviver. Inventam várias mentiras sobre a moça, caluniam-na pelas costas, deixam-na apavorada e cada dia mais reclusa. Diziam que o tinhoso a mandara para a cidade e que um dia viria em pessoa buscá-la. Maria vive com medo, especialmente à noite. É numa dessas noites sufocantes que ela recebe uma visita, e o resultado de um pacto trará consequências pavorosas para si e para toda a cidade. Sim, é assustador, e me deixou morrendo de vontade de conhecer pessoalmente a cidade. A arte de André Neves é maravilhosa, repleta de texturas e bordados, como os tecidos que Maria usava para confeccionar suas bonecas. Amei!