Livro do dia: O mestre das marionetes

Livro do dia: O mestre das marionetes

Posted by Kátia

Japão, século XIX. A fome assola a cidade de Osaka. Os pobres dominam as ruas, na vã tentativa de encontrar qualquer tipo de alimento ou caridade. Os comerciantes têm medo de sair de casa, pois os ronin (os samurais renegados) estão por toda parte cometendo crimes. Até as pessoas com algum ofício passam por momentos de necessidade. Jiro, um garoto de treze anos, é uma delas. Seu pai, Hanji, é um expert na arte da construção de marionetes, e apesar de todo o talento e empenho, a família vive à margem da sociedade. Sua única esperança de conseguir algum dinheiro vem das encomendas de Yoshida, dono do Hanaza, o teatro de marionetes. Por isso, filho, pai e mãe – uma mulher ressentida que é responsável pelo figurino das marionetes – correm contra o tempo para finalizar o trabalho e conseguirem dinheiro suficiente para a alimentação básica. Nestes tempos de miséria e desolação, o único alento dos pobres vem de Saburo, o herói do povo, uma espécie de Robin Hood que tira dos ricos e divide entre os pobres. Ninguém conhece sua verdadeira identidade, mas várias lendas circundam a sua pessoa. 

Numa das visitas ao Hanaza, Jiro acaba impressionando Yoshida com a sua personalidade espirituosa. O mestre das marionetes convida o garoto a se juntar à sua equipe de artistas e o pai diz que irá pensar no assunto. Numa conversa com sua amarga esposa, Hanji decide declinar a oferta, mas Jiro sai de casa assim mesmo, com a inocente esperança de se tornar aprendiz de titeriteiro e sustentar os pais. Jiro logo ganha a amizade Kinshi, filho de Yoshida, um menino generoso e impetuoso que vive em conflito com o pai. O mundo do teatro de marionetes descortina-se então ao jovem Jiro e a sequência do aprendizado do garoto me emociona demais. 

Já disse brevemente aqui sobre a beleza do bunraku, o teatro de marionetes japonês. É uma arte majestosa que exige anos e anos de treinamento e isso é traduzido admiravelmente no livro através dos personagens Yoshida e Okada. Yoshida é perfeccionista, um purista que acredita no poder de seu texto e de sua interpretação acima de tudo. Ele é o manipulador principal – aquele que conduz a marionete do lado direito; há ainda o manipulador esquerdo e o manipulador de pés, posição esta que os jovens aprendizes desejam alcançar. Nada é mais sagrado do que a interação entre os três manipuladores, que, segundo Yoshida, têm de estar “respirando como se fossem um” durante o espetáculo. O velho Okada, por outro lado, fora o maior titeriteiro de seu tempo, mas depois de perder a visão tornou-se o recitador principal, o líder dos músicos. Ele declama o drama dos personagens e ainda por cima é um excelente dramaturgo, capaz de ditar de uma só vez uma peça inteira a um de seus assistentes. Enfim, um homem genial. Junto à ala de Okada ficam os demais músicos e aqui conhecemos alguns dos maravilhosos instrumentos de cordas japoneses, como o shamisen, o koto e o kokyu (pesquisem na internet, garanto que ficarão encantados). O menino Jiro, espantado com a nova realidade, vai, aos poucos, evoluindo em seu aprendizado e conquistando assim o respeito dos grandes mestres. 

Preocupado com o destino dos pais (Hanji fora para o campo a fim de recuperar-se de uma possível pneumonia), Jiro descobre que, fora do calor e proteção do Hanaza, a situação vai de mal a pior. A mãe chega a ser agredida ao disputar um bocado de comida oferecida num templo. Ao mesmo tempo, as histórias acerca do ladrão heroico Saburo começam a se intensificar, com inúmeras recompensas por sua cabeça. No meio de toda essa disputa entre os senhores abastados que querem proteger seus bens e os famintos que se amotinam nas ruas, Yoshida decide estrear uma nova peça. O roteiro, trabalhado em parceria com o grande Okada, fala justamente sobre um divertido ladrão que engana a polícia. A peça é sucesso absoluto e Jiro consegue a tão sonhada promoção a manipulador de pés. Mas ainda há dramas e surpresas a caminho, inclusive uma sequência épica durante a exibição da tal peça. Acredito que seja o livro perfeito para a comemoração deste Dia Mundial do Teatro. Escondam-se atrás da cortina para uma visão completa do palco e testemunhem a revolução que ali nascerá. Banzai!

O mestre das marionetes
Autora: Katherine Paterson
Editora: Salamandra
Temas: Teatro; Cultura japonesa
Faixa etária: A partir de 12 anos

Assista também: Depois do livro, um filme que também louva a arte do teatro de marionetes. Dirigida pelo animador, ilustrador, escultor - e mestre - tcheco Jiri Trnka, Sonho de uma Noite de Verão (Sen noci svatojánské, 1959), transforma a obra de outro gigante, William Shakespeare, numa dança graciosa repleta de cores lindas e figurinos deslumbrantes. Possivelmente a melhor adaptação cinematográfica da peça, as marionetes atuam divinamente. 

Titânia e Bottom se aproximam com um gesto de delicadeza. Coisa linda de se ver...
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